José Graziano da Silva |
Vivemos uma
transição. Velhas respostas não aderem mais às novas perguntas. Há urgências
que dependem crucialmente de uma travessia. A fome é a mais premente entre
elas. A segurança alimentar pode ser uma das velas da baldeação que o
mundo reclama, rumo a um desenvolvimento mais justo e sustentável, a salvo da
desordem financeira atual.
Para 1/7 da
humanidade o lugar da crise é o prato vazio; seu nome é insegurança
alimentar. Somos realistas na escolha. Utopia é acreditar que haverá
solução para a economia à margem da sociedade.
Erguer pontes entre
os extremos da incerteza requer, de um lado, dotar a iniciativa local da
contrapartida de cooperação internacional que a revigore e amplifique. De
outro, prover a capilaridade indispensável à governança global, hoje desprovida
de canais de transmissão que lhe dêem legitimidade na vida das nações.
A primeira
providência é acelerar a reforma dos mecanismos de cooperação, incluindo-se aí
a estrutura da própria Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura,
a FAO, cuja direção eu assumo em janeiro de 2012.
Fazer dessas
instituições uma fronteira avançada da democracia e da nova governança global
pressupõe, antes de mais nada, adotar a descentralização como seu idioma
operacional obrigatório.
É o que buscaremos.
A descentralização representa a alavanca mais realista para dar velocidade aos
principais compromissos de nosso mandato: erradicar a fome; acelerar a
transição rumo a modelos sustentáveis de consumo e produção de alimentos;
promover regras mais justas no comércio de alimentos e, finalmente, reforçar a
cooperação Sul-Sul, que se soma à indispensável parceria Norte-Sul.
Cada um desses
pilares requer uma contrapartida democrática de coordenação entre a esfera
local e a global. Esse lócus precisa ser construído. Sua inexistência explica
em grade parte um dos maiores déficits evidenciados pela crise: o déficit de
democracia diante da nova morfologia do mercado e da sociedade em nosso tempo.
Não se trata de
escolher uma bala de prata, mas de um método que incentive as iniciativas
nacionais de fomento agrícola e combate à fome, ao mesmo tempo em que contempla
o vazio global de planejamento e participação, realçado pela desordem
financeira mundial. A boa notícia é que não partimos do zero. Existe um
ordenamento de prioridades sendo construído pela FAO em parceria com os
governos, a sociedade civil e os movimentos sociais.
Nossa gestão será
construída sobre o saldo desse acervo e os imperativos do futuro. Milhões de
vidas em risco e nações em transe dependem do passo seguinte da história. Um
número expressivo de países pobres enfrenta redobradas dificuldades para
avançar na luta contra a fome e a miséria em meio a uma crise que promete ser
longa, corrosiva e abrangente. A Organização das Nações Unidas para Alimentação
e Agricultura não pode dispensar a esses países outro tratamento que não seja a
prioridade máxima. É o que faremos.
As três principais
turbinas do mundo rico - Europa, EUA e Japão - foram comprometidas. Juntas,
elas representam mais de 70% do PIB mundial. Sem desobstruir a dupla pista
da cooperação, feita de capilaridade local e articulação global, as nações mais
pobres serão as mais afetadas. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
(ODM), que tem na segurança alimentar seu eixo seminal, patinam nesse ambiente
inóspito.
Nosso desafio é
desobstruir rotas e arregimentar energias para revigorá-las. Com sua
experiência reconhecida na área de segurança alimentar, o Brasil deve
equipar-se institucionalmente para fazer desse trunfo o principal eixo de uma
política revigorada de cooperação internacional.
A Agência
Brasileira de Cooperação (ABC) reclama maior estrutura: seu orçamento de US$ 60
milhões/ano é 100 vezes inferior ao de similares, como o espanhol e o holandês
e 500 vezes menor que o americano. Não se trata de uma gincana, mas de prover
meios para intensificar a transferência de conhecimento em áreas onde temos
reconhecida liderança.
A Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) deve acelerar sua
internacionalização como o maior centro de agricultura tropical do planeta.
Para isso precisa se dispor a fazer não apenas cooperação científica com
escritórios no Japão, França e Estados Unidos, mas também cooperação técnica
com presença compatível com as prioridades da política internacional brasileira
para a África, Caribe e America Latina.
O Conselho Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), não deve subestimar sua
experiência ímpar na construção do principal alicerce da luta contra a fome: a
participação da cidadania. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e
outros organismos afins não podem mais relevar estruturas condizentes com a
responsabilidade internacional do país.
A
representatividade ampliada do Comitê de Segurança Alimentar Mundial, composto
de governos, cientistas, organizações da sociedade civil e lideranças sociais
cuidará de levar a "escuta forte", sobretudo das nações mais pobres,
para o interior da FAO. Mais que isso, trata-se de reforçar uma cultura de
responsabilidade histórica para assegurar a destinação maciça de recursos
humanos e orçamentários às tarefas prioritárias. Hoje, mais que nunca, a
estrutura não pode sobrepor-se à atividade-fim.
Não são palavras
lançadas ao vento. A concepção do nosso mandato obedece à evidência
incontornável de que a superação da crise cobra um amplo engajamento na
construção de um novo regulador capaz de reconciliar o crescimento e a
sociedade em nosso tempo: a justiça social. Somos realistas na escolha: utopia
é acreditar que haverá solução para a economia à margem da sociedade. Confiamos
no apoio do bom senso engajado para que os nossos compromissos se enlacem ao
mundo por meio da ação.
Postado pelo Blog do Marquinhos do PT - 19/01/2012
Crédito para José Graziano da Silva é diretor-geral eleito da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO na sigla em inglês)
Crédito para José Graziano da Silva é diretor-geral eleito da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO na sigla em inglês)
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